O diagnóstico psiquiátrico tem sido um tema de debate constante no campo da saúde mental. Tradicionalmente, os profissionais têm se baseado em sistemas de classificação como o DSM-5-TR e a CID-11 para diagnosticar transtornos mentais. No entanto, pesquisas recentes, como o artigo "Prioritization of Psychopathological Symptoms and Clinical Characterization in Psychiatric Diagnoses" publicado no JAMA Psychiatry, sugerem que uma abordagem mais centrada nos sintomas pode oferecer uma compreensão mais precisa e personalizada dos problemas de saúde mental.

 

Os Desafios dos Sistemas Diagnósticos Atuais

Os sistemas de classificação diagnóstica atualmente utilizados na psiquiatria enfrentam várias limitações:
  1. Falta de biomarcadores: Como afirmam Leucht et al. (2024), "a falta de biomarcadores clinicamente aplicáveis, como exames de sangue ou resultados de imagem, torna os transtornos mentais propensos a críticas".
  2. Confiabilidade questionável: Estudos de campo do DSM-5-TR mostraram que muitos diagnósticos têm confiabilidade fraca entre avaliadores.
  3. Proliferação de categorias: O número de diagnósticos aumentou de 106 no DSM-I para 245 no DSM-5, levantando preocupações sobre a patologização de experiências humanas normais.
  4. Natureza categórica vs. dimensional: A maioria dos problemas psiquiátricos existe em um continuum, mas os sistemas atuais tendem a forçá-los em categorias discretas.

Uma Nova Proposta: Foco nos Sintomas Psicopatológicos

Diante desses desafios, os autores propõem uma abordagem alternativa para o diagnóstico psiquiátrico, centrada nos sintomas psicopatológicos e nas características clínicas individuais. Esta nova abordagem se baseia em alguns princípios fundamentais:
  1. Priorização dos sintomas: Em vez de buscar encaixar o paciente em uma categoria diagnóstica específica, o foco está na identificação e descrição detalhada dos sintomas presentes.
  2. Uso de sistemas padronizados de avaliação de sintomas: Os autores sugerem o uso do sistema AMDP (Association for Methodology and Documentation in Psychiatry), que contém 100 sintomas mentais e 40 sintomas somáticos operacionalizados e manualizados.
  3. Caracterização clínica contextual: Além dos sintomas, são considerados fatores como personalidade, funcionamento, gravidade, história psiquiátrica e contexto social do paciente.
  4. Abordagem dimensional: Os sintomas são avaliados em um continuum de gravidade, reconhecendo a natureza espectral de muitos problemas de saúde mental.
  5. Estadiamento clínico: Incorpora-se a ideia de que os problemas psiquiátricos podem evoluir em estágios, permitindo intervenções mais precoces e direcionadas.

Vantagens da Nova Abordagem

Esta abordagem centrada nos sintomas oferece várias vantagens:
  1. Maior precisão: Ao focar nos sintomas específicos, evita-se o problema de tentar encaixar pacientes em categorias diagnósticas que podem não refletir adequadamente suas experiências.
  2. Personalização: Permite uma compreensão mais individualizada do perfil psicopatológico de cada paciente.
  3. Flexibilidade: Reconhece que os sintomas podem mudar ao longo do tempo, permitindo uma avaliação mais dinâmica.
  4. Direcionamento do tratamento: Facilita a criação de planos de tratamento mais específicos e orientados para os sintomas presentes.
  5. Facilitação da pesquisa: Permite estudos transdiagnósticos que podem revelar padrões e conexões entre diferentes sintomas e transtornos.

 

Implementação Prática

A implementação desta nova abordagem na prática clínica requer algumas mudanças:
  1. Adoção de ferramentas digitais: Os autores sugerem o uso de visualizações gráficas, como um "gráfico de teia de aranha" para representar os sintomas e sua gravidade.
  2. Treinamento dos profissionais: Os psiquiatras e outros profissionais de saúde mental precisarão ser treinados nesta nova abordagem de avaliação centrada nos sintomas.
  3. Desenvolvimento de novos instrumentos: Será necessário criar e validar instrumentos de avaliação que capturem adequadamente a natureza dimensional dos sintomas psiquiátricos.
  4. Simplificação do DSM e CID: Os autores sugerem que estes sistemas sejam simplificados e usados principalmente para fins administrativos e de comunicação.

 

Conclusão

O campo da psiquiatria está em um momento de transição. A abordagem centrada nos sintomas oferece uma alternativa promissora aos sistemas de classificação diagnóstica tradicionais, permitindo uma compreensão mais precisa, personalizada e dinâmica dos problemas de saúde mental. Como afirmam Leucht et al. (2024), "uma abordagem de caracterização clínica baseada principalmente em sintomas psicopatológicos seria multidimensional e clinicamente útil, porque levaria a um tratamento orientado para problemas e apoiaria a pesquisa transdiagnóstica".

Embora ainda haja desafios a serem superados na implementação desta nova abordagem, seu potencial para melhorar o diagnóstico e o tratamento de transtornos mentais é significativo. À medida que avançamos, é crucial que os profissionais da área se mantenham atualizados sobre essas novas tendências e considerem como podem incorporá-las em sua prática clínica.



Para saber mais: Leucht, S., van Os, J., Jäger, M., & Davis, J. M. (2024). Prioritization of Psychopathological Symptoms and Clinical Characterization in Psychiatric Diagnoses: A Narrative Review. JAMA psychiatry, 10.1001/jamapsychiatry.2024.2652. Advance online publication. https://doi.org/10.1001/jamapsychiatry.2024.2652

DANILO PEREIRA