Imagine ser completamente cego, mas ainda ser capaz de ver. Isso parece impossível? Bem, acontece! Alguns anos atrás, um homem (vamos chamá-lo de Pedro) sofreu dois golpes em rápida sucessão. Como resultado, Pedro estava completamente cego, e ele passou a andar com uma bengala.

Um dia, alguns psicólogos colocaram Pedro em um corredor cheio de obstáculos como caixas e cadeiras. Eles tiraram sua bengala e disseram para andar pelo corredor.

O resultado deste simples experimento seria dramático para nossa compreensão da consciência. Pedro foi capaz de navegar em torno dos obstáculos sem tropeçar.

Pedro tem visão cega, uma condição extremamente rara que é tão paradoxal quanto parece. Pessoas com visão cega constantemente negam a consciência dos itens à sua frente, mas são capazes de feitos incríveis, que demonstram que, de certa forma, eles devem ser capazes de vê-los.

Em outro caso, um homem com visão cega (vamos chamá-lo de Ricardo) foi colocado na frente de uma tela e disse para adivinhar (de várias opções) qual objeto estava na tela. Ricardo insistiu que ele não sabia o que estava lá e que ele estava apenas adivinhando, mas ele estava adivinhando com mais de 90% de precisão.

 

Para o cérebro

A visão cega resulta de danos a uma área do cérebro chamada córtex visual primário. Esta é uma das áreas, como você deve ter adivinhado, responsável pela visão. Danos ao córtex visual primário podem resultar em cegueira – às vezes total, às vezes parcial.

Então, como funciona a visão cega? Os olhos recebem luz e a convertem em informações que são então passadas para o cérebro. Essa informação então viaja através de uma série de caminhos através do cérebro para eventualmente acabar no córtex visual primário.

Para pessoas com visão cega, essa área está danificada e não pode processar adequadamente as informações, de modo que a informação nunca chega à consciência. Mas, a informação ainda é processada por outras áreas do sistema visual que estão intactas, permitindo que pessoas com visão cega realizem o tipo de tarefas que vemos no caso de Pedro e Ricardo.

A visão cega serve como um exemplo particularmente marcante de um fenômeno geral, que é o quanto se passa no cérebro abaixo da superfície da consciência. Isso se aplica tanto a pessoas sem visão cega quanto as pessoas com ela.

Estudos mostraram que fotos nuas de pessoas atraentes podem chamar nossa atenção, mesmo quando não estamos completamente inconscientes delas. Outros estudos demonstraram que podemos julgar corretamente a cor de um objeto sem qualquer consciência dele.

 

Cego desmascarado?

A visão cega gerou muita controvérsia. Alguns filósofos e psicólogos têm argumentado que pessoas com visão cega podem estar conscientes do que está à sua frente, afinal, embora de uma forma vaga e difícil de descrever.

Essa sugestão apresenta uma dificuldade, pois verificar se alguém está consciente de uma coisa em particular é uma tarefa complicada e altamente delicada. Não há "teste" para a consciência. Você não pode colocar uma sonda ou um monitor ao lado da cabeça de alguém para testar se eles estão conscientes de algo – é uma experiência totalmente privada.

Podemos, é claro, perguntar a eles. Mas interpretar o que as pessoas dizem sobre suas próprias experiências pode ser uma tarefa espinhosa.

Seus relatos às vezes parecem indicar que eles não têm consciência em todos os objetos na frente deles (Ricardo uma vez insistiu que ele não acreditava que realmente havia algum objeto lá). Outros indivíduos com visão cega relatam sentir "borrões visuais" ou "sombras escuras" indicando a possibilidade tentadora de que eles tinham alguma consciência deixada.

 

Os limites da consciência

Então, o que a cegueira nos diz sobre consciência? Exatamente como você responde a esta pergunta dependerá fortemente de qual interpretação você aceita. Você acha que aqueles que têm visão cega estão, de certa forma, conscientes do que está lá fora ou não?

Se não forem, então a visão cega fornece uma ferramenta excitante que podemos usar para descobrir exatamente para que é a consciência. Olhando para o que o cérebro pode fazer sem consciência, podemos tentar descobrir quais tarefas, em última análise, requerem consciência.

A partir disso, podemos ser capazes de descobrir qual é a função evolutiva da consciência, que é algo sobre o qual ainda estamos relativamente no escuro.

Por outro lado, se pudéssemos provar que as pessoas com visão cega estão conscientes do que está à sua frente, isso levanta questões não menos interessantes e emocionantes sobre os limites da consciência.

Como é a consciência deles? Como é diferente de tipos mais familiares de consciência? E precisamente onde no cérebro a consciência começa e termina? Se eles estão conscientes, apesar dos danos ao córtex visual, o que isso nos diz sobre o papel dessa área cerebral na geração de consciência?

Podemos então perguntar: como a visão cega revela os limites confusos nas bordas da visão e da consciência? Em casos como a visão cega, torna-se cada vez mais claro se nossos conceitos normais como "percepção", "consciência" e "ver" estão à altura da tarefa de descrever e explicar adequadamente o que realmente está acontecendo.

Para compreender esses casos, precisaremos empregar uma reflexão filosófica cuidadosa sobre os conceitos que usamos e os pressupostos que fazemos, assim como precisaremos de uma investigação científica completa da mecânica da mente.

 

DANILO PEREIRA